Abandono afetivo: Fábula jurídica ou direito real.
- Joy Neto

- 9 de set. de 2022
- 4 min de leitura
Amor é opcional, cuidado é obrigatório.

Não existe lei que define o abandono afetivo, na verdade até pouco tempo não se falava sobre o tema. Por mais que a constituição federal traz em seu artigo 227 as obrigações e deveres familiares para crianças e adolescentes, não existe nenhum texto legal específico sobre o assunto, o que faz que muitas pessoas achem que Abandono Afetivo é uma fábula jurídica e não um objeto de ação.
Claro que nós temos um projeto de alteração legal em tramitação no senado que prevê a modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente para incluir o abandono afetivo, expressamente, como uma forma de negligência, mas por hora é apenas um projeto.
Alguns juízes já aplicam o instituto do abandono afetivo com base em leis já existentes usando os princípios de interpretação legal, são essas leis: a constituição de 1988,como já citado anteriormente, e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Diz o artigo 227 da Constituição:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Se dermos atenção para a parte final do artigo 227 que determina que a criança e o adolescente devem ficar a salvo de toda forma de negligência e descriminção, podemos perceber que por mais que não tenhamos legislação dedicada ao tema, o direito brasileiro a partir de 1988 prezou pela proteção do menor em todas as esferas, incluindo a familiar, algo que também foi consagrado no artigo 4° do ECA.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Sendo assim podemos conceituar o abandono afetivo, como uma violação do princípio da proteção integral que está consagrado nos artigos já mencionados, portanto é um tipo de violência contra a criança, que vai se manifestar na esfera psicológica que se apresenta devido a ausência do afeto necessário, falta de apoio emocional, psicológico e social, por um ou ambos genitores, seja na convivência familiar cotidiana ou pelo descaso do direito de visitas que é uma obrigação.
Na prática podemos identificar o abandono afetivo quando os pais deixam de prestar o afeto mínimo aos seus filhos, afeto esse que deve ser visto como cuidado e apoio para o desenvolvimento da criança, e não como amor, porque não podemos obrigar alguém a amar outra pessoa.
Em uma situação de abandono os pais ou responsáveis são omissos quanto ao cuidado, o que pode gerar graves prejuízos psicológicos,sociais e emocionais ao menor. Um exemplo clássico dessa conduta é quando o genitor não aceita o filho e claramente o despreza em relação a outros.
O abandono afetivo é um ponto completamente abstrato, não é material e sim sentimental, por isso, para comprová-lo é necessário mais do que um tabela de valores gastos, é preciso demonstrar o dano psicológico oriundo da ausência do genitor.
Entre os impactos dessa ausência nós temos: sensação de solidão, sequelas psicológicas como a síndrome da criança abandonada, transtornos por rejeição, dificuldade na formação de caráter, deficiências cognitivas e até depressão.
Para demonstrar o dano causado pelo abandono podemos utilizar diversos meios de prova como documentos médicos, testemunhas, laudos emitidos por psicólogos ou assistentes sociais, fotos e conversas que demonstram o desprezo do genitor.
A ação pode ser proposta a qualquer momento pelo responsável pela criança e até após 3 anos atingida a maioridade de acordo com os artigos 197 e 206 do código civil.
E entre as consequências da ação, além do dever de indenizar, estão a possível detenção de até seis meses, exclusão do nome do genitor ausente e a perda do poder familiar, que é a pior sanção prevista no ECA.
Sobre o tema temos jurisprudência recente unânime da 2° câmera de Direito Privado do TJ/SP, que condenou um pai a indenizar sua filha por danos morais decorrentes de abandono afetivo, o valor foi fixado em R$ 10 mil reais, além do custeio do tratamento psicológico da criança, representada na ação pela mãe.
Na ação ficou constatado que a ausência de laços afetivos entre o pai e a menina gerou problemas psicológicos e em virtude disso, a criança está em tratamento e apresenta defasagem nas habilidades fonológicas e dificuldade na memória operacional, atenção e concentração.
No acórdão o Desembargador João Baptista Galhardo Júnior frisou que:
"As visitas voltaram a acontecer de maneira mais regular, mas não ao ponto de fornecer um efetivo vínculo de confiança e carinho entre as partes a suprir os desejos da menor que sente falta de qualidade na convivência paterna, o que gerou danos psicológicos atestados no estudo social".
No entendimento do colegiado, o genitor não conseguiu justificar a razão da sua ausência com motivos plausíveis, já que o maior apontamento foi a relação com a mãe, que foi desconsiderado pelos desembargadores que disseram que “a relação do pai com a mãe da menor não é motivo para que haja o abandono”.
Ainda, o abandono afetivo também pode ocorrer de forma inversa, quando os filhos abandonam afetivamente os pais, nesse caso a ação pode ser proposta a qualquer momento enquanto perdurar o abandono.
Portanto, podemos concluir que não é uma fábula jurídica e sim um direito real que impacta a vida de diversas crianças e adolescentes em nosso país. Cabe a você mãe, pai ou responsável defender os interesses de seu filho e lutar para que de alguma forma haja reparação para os danos causados pela ausência dessa figura que deveria amar e cuidar.
Bibliografia
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/abandono-afetivo
https://ibdfam.org.br/noticias/8967/Abandono+afetivo%3A+Decis%C3%A3o+do+STJ+e+aprova%C3%A7%C3%A3o+de+projeto+de+lei+na+C%C3%A2mara+trazem+novas+perspectivas+sobre+o+tema
https://www.migalhas.com.br/quentes/372896/tj-sp-condena-pai-a-indenizar-filha-por-abandono-afetivo

Comentários